Jornal Aldrava Cultural
A Poesia e a Prosa de Clevane Pessoa

 


Clevane Pessoa

Clevane Pessoa - poeta, cronista, divulgadora cultural, psicóloga. É consultora de teatro, revisora de textos, roteirista de peças teatrais. Ilustradora, editora e agitadora cultural. Possui obras publicadas em livros, revistas, jornais e blogs.

A Poesia de Clevane Pessoa

ENCOSTA-TE A MIM

                                                              Clevane Pessoa

Venho de tempos idos e viajo para tempos novos.
Desço a encosta do desejo,
baqueada de sol quente, mas
inebriada pela luz de mel.
Suada,
exalo o cheiro aéreo das borboletas
que visitaram cravos.
Ah, voejei até mesmo em densas florestas
além do nosso jardim
-enquanto, guerreiro do cetro mágico,
guerreavas numa peleja
inútil e convencional, sem mim.
Eu,que agora vou ao teu encontro, para amparar-te,
sarar tuas feridas com minha seiva mágica.
Feiticeira, banhei-me
em pétalas de lírios, cravos e rosas
e minha pele inteira
tornou-se a tua cura.

Encosta-te a mim,
serei o totem onde os signais e os signos
revelarão as fórmulas da doce embriaguez amoROSA.
Mulher, ofereço-te meu graal.
Dentro de mim, alastra-se um fogo eternal,
no alabastro do corpo,mas a pele é morna.
Se tens fome,oferço-te a Poesia
de minha alma em pomar,
que alimenta
com maná e ambrosia.
Se tens sede,dar-te-ei meu leite.
minha saliva,meus humores.
Degusta-me.
Se queres dormir, transformarei
meus braços em rede.
Cantarei uma berceuse
inventada na hora da neblina.

Encosto-me a ti, quando te encostas a mim.
e juntos, seremos uma estela pela PAZ,
uma estrela a mais,
um círio na janela ,
chama votiva a tentar iluminar a harmonia
e simbolizar a quase impossível, mas real
perenidade dessa paixão
que não se acaba, que não desaba,
porque estamos um ao outro encostados
na encosta do desejo, apoiados
pelas costas um do outro.

A pomba que me trouxeste,
voa livre no azul absoluto...

Degusta-me e te ensinarei
a eternidade dos deuses...

Comentário de Clevane Pessoa a propósito da Exposição da tela Martírio, de Deia Leal, no Louvre.


Martírio, de Deia Leal - Louvre - dez/2009

Andreia Aparecida é o prenome da artista Deia Leal. Ambos os nomes com que assina sua lavra, são conhecidos e respeitados: Andreia Donadon Preside a ALB e é a Governadora do InBrasCI em Minas Gerais- conduzindo com maestria e dinamismo várias ações paralelas, que traça desde a tarefa de educadora à de divulgadora cultural do Jornal Aldrava, onde escreve e tem mostra permanente de sua Arte. Os trabalhos mais recentes refletem sua inspiração na mineiridade, na espiritualidade e na estilística aldravista, onde, segundo observamos, os traços de desenho são quase eliminados, para a maior ênfase estar na expressão conceitual. As cores são inspiradas na riqueza mineira, os tons terrosos, os verdes multiplicados, os carmins.E, trabalhando na expressão plena do que deseja mostrar- mas sempre permitindo uma elasticidade de interpretações ao apreciador-convidado a uma espécie de interatividade com a artista -busca alcançar texturas compatíveis com sua própria visão do entorno ou do cosmos recriado, um cosmo mineiro, mas universalizado.
Conheci-a quando sua tela sobre o Outono- um outono incendiado em chamas lindas- alcançou um terceiro lugar na Associação Cultural Valentim Ruiz Aznar, na Espanha, em Granada. A tela chama-se Outono em Chamas. À ocasião, ela não pôde ir receber o prêmio, tantas as dificuldades encontradas no reconhecimento no feito de uma brasileira, mineira e moradora na cidade primaz de Minas, Mariana. Mas logo depois, no novo concurso, a artista logrou um "primeiríssimo lugar". E então, já devidamente reconhecido seu trabalho, aliado ao dos Aldravistas de Mariana, pôde viajar, às expensas do Governo Brasileiro e Mineiro. Em vez de viajar apenas para receber a premiação, o casal Donadon muniu-se de material para lidar com crianças e adultos, foi às rádios e Tvs e , muito bem recebido em terras estrangeiras, realmente representou o Brasil e Minas Gerais, desde entregar camisetas com o triângulo vermelho do lábaro de Minas, onde a frase latina "Libertas Qua Sera Tamen", traduzida do Latim como "Liberdade Ainda Que Tardia", é ainda remanescente da era colonial, da luta dos inconfidentes mineiros. Apraz-me agora receber a nota para a participação da tela "Martírio", no Louvre, em Paris, França.Certamente, impressionará conhecedores, esse estilo singular. Se numa tela- qual na exposição "Emaranhaminas", a artista visa mesclar as muitas Minas Gerais e suas estruturas regionais, noutra rasga o fundo e o recostura , faz intervenções em peças de vestuário, também já a vi trabalhar num improviso, a usar pétalas de rosa.Essa facilidade para projetar-se em sua própria obra- awareness e conscioness- o que vem de dentro para o que existe em volta, do self da artista para o atavismo, o consciente coletivo, o social, sempre a perpassar pela criatividade da diversidade buscada, sugere que Deia Leal terá muitos imitadores e seguidores, porque faz escola, ao superar até a si mesma e abandonar leis pré estabelecidas ou ultrapassadas.Mas o faz sem arrogância, apenas pela necessidade de avançar além de seu próprio tempo de ser, estar, criar.
Clevane Pessoa de Araújo Lopes
Diretora Regional do InBrasCI-MG
Embaixadora Universal da Paz (CUAP/Genebra/Suiça)
Crítica de arte e literatura ,, consultora de teatro, psicóloga ,
sexóloga e especialista em adolescência, oficineira
Doutora Honoris causa/Filósofa - PH.I pela ALB/CONALB
Foi ilustradora, repórter e redatora de Arte e Literatura nos Jornais mineiros Gazeta Comercial e Urgente e Voz de Rio Branco
Escreveu na revista O Lince e em Estalo, a revista, O Aseano,feira da Cidade e outros.
Na SBAAT - Escola de Belas Artes Antonio Parreiras, em Juiz de Fora,MG, Brasil,foi aluna de Clério de Souza-o Pimpinela- artistaPresidente da entidade naquela época.

Cenário Noturno

O livro Cenário Noturno, interpretado por Brenda Mars e autografado pela ooeta Andreia Donadon, foi lançado no Salão do livro em Ipatinga, MG, Brasil. A Poeta faz parte do movimento Aldravismo, de Mariana, MG-Brasil, e revela a mesma habilidade que demostra com os pincéis e espátulas, na arte aldravista, ao lidar com palavras .
Andreia Donadon , que é haikaista e leva, com seu grupo, haikais a crianças em idade escolar, teve por espaço oferecido ao lançamento justam, ente o "Jardim japonês" naquela cidade. A tarde de autógrafos aconteceu no 3º Salão do Livro de Ipatinga. A a autora, Governadora do InBrasCI (Instituto Brasileiro de Culturas Internacionais), assina suas telas com o nome artístico de Deia Leal.

A promoção é do CLESI , Clube de escritores de Ipatinga, em coordenação de Marilia Siqueira, poeta e difusora cultural, geralmente assessorada por Marília Lyra.
A entrada foi franca, a própria capa de cenário Noturno, um presente de per si: obra da artista, coadunada assim entre as Letras e as Artes Plásticas.
A performance de Brenda Mars desenvolveu-se em cerca de 30 minutos após o que, Andréia Donadon, autografou seus exemplares.
A autora é o perfeito exemplo da arte e da poesia Aldravista.O Aldravismo é um Movimento Cultural Artístico, literário e educativo, que se desenvolve da cidade primaz do estado de Minas Gerias, para o País e o Mundo e, num crescente, vem chamado atenção pela excelência de todos os seus projetos, bem como para o talento das cabeças que o formam.
Brenda Mars vem se apresentando em vários eventos de Belo Horizonte, onde reside e em outros Países (Chile, Argentina, Estados Unidos-em Chicago-, na França, em Paris).
É Poeta del Mundo e Preside o IMEL, Instituto Imersão Latina.

A Poesia de Cenário Noturno

Um reflexo - ou muitos - da concepção aldravista, que privilegia a Metonímia - esse livro solo, de Andreia Donadon (a premiada artista Deia Leal(*) revela sobretudo, o fluxo criativo da POETA, notívaga de feitio e que torna-se, na escrita, uma filósofa de seu tempo.

A metapoesia implícita, a ser decodicada ao escorrer dos versos, está presente, de maneira pessoal, em confiteor:

"O lado negro/dos versos/produz/aceso/à meia luz"
(...)"colhe choro seco"
(...)"prega cabeças/nas frestas da cruz"
(...)"abre ferida/entorna choro/alfineta ira/alimenta parasita"
(In "Lados Dos Versos")

Mas esse confiteor da alma poética, se pessoal, tem um cunho de universalidade com que todos os poetas poderão encaixar-se.

Andréia Donadon se espraie em sua própria luminosidade;quando esteve no Poesia, Paz e Primavera (evento que aconteceu no centro Cultural da Lagoa do Nado, em Belo Horizonte), dia 25 de setembro, impressionou pela leitura consistente desses versos, que também perpassam pela resiliência de um grupo e pela consistência autoral.
Ela não caiu na armadilha de colher poemas aqui e ali para fazer um livro, mas canalizou sua Ars Poetica para uma sequencia lógica, que justifica os conceitos aldravistas, sempre tão bem explanados pelo esposo, J.B.Donadon-Leal, por escrito e oralmente.
O poder de síntese é grande na jovem poeta.Em muitos poemas, ocorre uma perfeita e bem pensada atividade rítmica, sem quebra de paralelismo semântico, lapidadas as arestas e jogados fora os excessos.

Vejam em "Ponto Final":

passo largo
engano
passo lento
desencontro
um caminho
duas estradas
ponto final

Torna-se sempre evidente para quem a conhece, a estética proposital unida à intuitiva;artista plástica, tem a dimensão exata do necessário .E o leitor,viaja a convite, com passagem paga, nesse rico mundo interior, externado em cenário Noturno.Mundo notívago, graal feminino e compassivo, explosão de incógnitas que florescem no trajeto da leitura.Em uma das páginas,encontramos uma interrogação pintada por sua mão de artista, revela o "quase" que ela tanto ama e que nomeia a sua parte em Nas SENDAS de BASHO"(*).

Agora, é ler, para entretecer-se junto à trama da tecelã de palavras e excelências.

Ipatinga viveu em um jardim japonês-ela que ,repito,ama os haikais, interpretada por Brenda Mars- toda a leveza , mas com o peso da essência pura, a poesia Aldravista de Andréia Donadon.O livro tem feitura e carinho participativo da Aldrava Letras e Artes, editora , capa de Deia leal, com o mesmo nome da obra, prefácio de José Luiz Foureaux de Souza Júnior (Doutor em Literatrura Comparada da UFMG) e prévia do esposo o grande poeta J.B.Donadon-Leal, que diz muito mais que a aparente beleza de um poema:

"A lua traz bem mais que nós dois juntos
o signo da luz que o esplendor costura,
pois rompendo as trevas da noite escura
tece o tema de todos os assuntos..."

(in MARÍLIA_Sonetos Desmedidos, 1996)

Festejamos o lançamento e enviamos nosso carinhoso abraço a Andréia Donadon, de quem apreciamos o tudo no "quase"...

Clevane Pssoa de Aarújo Lopes,
Diretora Regional do inBrasCi, em Blo Horizonte, MG, Representante do Movimento Cultural aBrace, Embaixadora Universal da Paz (Cercle de Les Ambassadeurs Univ.de La Paix-Genebra
Suiça)

 

A Prosa de Clevane Pessoa

Parábola (I) Eva e a Culinária

Numa grande escola de cozinha, o chef era alguém esforçado, apesar de talentoso, ou seja, buscava o crescimento, o aprendizado contínuo e acabou por receber vários prêmios e tíitulos. A escola era grande e recebia pessoas de vários países, embora o Chef representasse, primordial e preferencialmente, o seu.

Certa feita, ouviu falar de uma bodegueira do interior, que inventara alguns pratos com vinho: gelatina, bolo, pavê, assados, balas. Nada que alguém talvez ainda não tivesse feito, mas ela usava, para tempero e flavorizar, folhas, raízes e flores e frutos de seu próprio quintal, misturadas a gotas de mel obtido de secreta floração, tudo acrescentado com sua pitadas de imaginação, criatividade e amor ao trabalho. As pessoas esperavam por vagas na escola chamada "Bouquet Garni". O buquê garni é apenas um amarrado de ervas, mas, usado com sabedoria, melhora o sabor de muitos pratos. Eva sabia dosar o salgado e o doce, fruto e fruta, passas variadas, trufas, cheiros verdes, cebolas e alhos.

O chefe, Juan De La Piedras, que tinha esse nome mas era realamente francês, foi pessoalmente convidar a cozinheira para estagiar em sua Cozinha rebrilhante e sólida, com seus objetos de cobre, ferro, cerâmica e pedra. Espantada, porque já possuía sua preciosa ao longo dos anos, ela disse que não poderia estagiar em tempo integral, subida honra, mas que iria algumas vezes por mês, mas que, em compensação, ela própria abriria as portas da sua, para estagiários que quisessem conhecer sabores provençais, misturados aos wiccanos. O chef gostou de sua disponibilidade e franqueza e, durante algum tempo, houve haromiosa troca e soma entre os dois espaços e os dois cozinheiros que tanto amavam seu que-fazeres. Eva trabalhava conforme sempre o fizera, a cantar e com boa vontade de ensinar o que sabia. Jamais se esquecia de acrescentar às receitas do mestre, a autoria e nem ele.

Na "Bouquet Garni", havia uma sub-chefe muito simpática e brincalhona, que anos antes, aprendera com Eva certos segredos femininos de culinária. Ao ser convidada para tomar o lugar da maestrina, que fazia da culinária, uma canção para a alma, depois de sua passagem pela terra, Eva temeu que a outra, Xênia, desejasse tanto esse posto, que a ferisse e gentilmente, declinou da possibilidade, a favor da outra, a quem admirava pela faculdade de fazer pratos clássicos e patos ácidos ao caldo de laranja.
O tempo passou e eis que agora, ambas trabalhavam pela bela causa comum, de Monsieur Juan de las Piedras. Em muitas partes do mundo, as receitas neo-clássicas e as novidades, eram aplaudidas e degustadas. Todos pareciam felizes. Ensinar é a melhor forma de realização de quem sabe... Claro, havia chefs centrados no próprio umbigo. Ao lidar com os outros, escondia as dicas, os segredos, os pulos de gato. Olhavam o umbigo das laranjas-da-terra e não ensinavam a melhor forma de tirar-lhes o amargor natural. Ou o umbigo da bananeira, o coeur que transforma-se em pratos divinos, quando se conhece o segredo das receitas naturais e o desprezavam, fingindo que eram inúteis. Ou o umbigo das grandes abóboras, por onde se tira todo o conteúdo, para enchê-lo de creme ou camarões, depois tampado com a própria tampa para tal reservada...

Eva um dia, recebeu uma carta de um certo Manuelito, grande mago internacional da culinária, a quem ela muito admirava e mencionava em suas aulas. Ele era um grande confeiteiro, também, criando argamassas elásticas de açúcar e lírios e laranjas e limões e leite de coco. Também sabia fazer glacês de pétalas de rosa e jasmins, cujo segredo, somente ele conhecia. Na carta, Manuelito, o Grande, ralhava com Eva por usar receitas wiccanas e não dizer o nome das cozinheiras e feiticeiras do bem que as criaram. Pacientemente, Eva respondeu, contou que herdara o Livro das Sombras de sua tataravó, onde, junto aos encantamentos, havia receitas maravilhosas, embora com ingrendentes de grande quantidade (por exemplo, cinco dúzias de ovos, conforme se usava outrora ou cem cabeças de garlic ou um latão de leite de vaca...), mas depois a bisavó, os reduzira e acrescentara flores campestres, a avó os pingos de mel de floração secreta e, finalmente, sua mãe, que copiara tudo em seu caderno encapado com folhas e flores de pata-de-vaca por baixo de um suave organdi suiço de "pois", a presenteara com o receituário familiar, com apenas dois pedidos: zelasse por eles e jamais revelasse o nome de suas ancestrais, duramente castigadas pela Inquisão. Mais tarde por maridos, sogras e pseudo-amigas. Explicou-lhe que sempre colocava todos os nomes dos cridores das receitas, mas, que alguns casos, eram segredos familiares. Ele passou então, a bombardeá-la com acusações, mesmo se ela fingisse estar tudo bem e divulgasse os sucessos da pessoa intransigente, na verdade, um artista.

O certo é que um dia, Juan resolveu ir a El Puerto de las Gallinas e convidou Eva, para trocarem experiências durante a viagem. Ela ficou feliz, mas confidenciou que reformava sua cozinha e estava um pouco sem dinheiro. Juan contou-lhe que ganhara uma passagens para distribuir entre seu staff e que a levaria. Para poder viajar e deixar tudo esquematizado, Eva contou a uma de suas promissoras treinandas a alegria que sentia em viajar com o grande Chef e treinou a mocinha para manter tudo de acordo, em sua ausência que, afinal, não seria longa.

O tempo passou e uma dia, essa jovem, Sessa, perguntou-lhe pela ida. Ao verificar, Eva, sempre ocupada, viu que já passara a data da viagem. Perplexa, soube que Juan até já retornara, e se perguntou se Manuelito, amigo do primeiro, não inventara algo contra ela. Ainda assim, nada perguntou a ninguém e continuou a cozinhar e ensinar os que conviviam muito perto dela, apreenderam que seu único segredo era, na verdade, imitar os passarinhos, trinando, enquanto cozinhava. Mas, por amá-la verazmente, nada contavam a todos que lhe perguntavam, porque seus acepipes tinham gosto de maná, ambrosia, mel raro e certo desconhecido e perfumado vinho.

Certa feita, correu pela região, que Eva havia falecido, tendo deixado cair sobre si um grande caldeirão com sopa de flores comestíveis. Que nem chegara a sofrer, que avisassem os chefs, gourmets, mâitres, copeiros e todos envolvidos no grande processo de la Ars de La Cousine .

Amigos avisaram a Eva sobre seu suposto falecimento e ela chorou de tristeza: quem seria capaz de tal brincadeira ou seria uma forma de apagá-la aos aos poucos? Enxugou as lágrimas, depois de deixar que
algumas caíssem num chá chamado "La Vie" e o bebesse pausadamente. E continuou, tranqüila, a realizar o trabalho que amava.

Um dia, De las Piedras precisou viajar. Apesar das mais de seis décadas, era uma pessoa dinâmica e que jamais deixava de cumprir seus compromissos. Incumbiu várias pessoas a, paralelamente, organizarem banquetes, exposições e degustações. Xênia, então, pediu a Eva os contatos dos demais, todos aprendizes ou já formados, para enviar a Juan, que os perdera. Depois, perguntou se ela poderia enviar diretamnte aos envolvidos, as tarefas, os convites. Eva começou a fazê-lo, tendo o cuidado de enviar a todos, as mesmas recomendações de Juan de Las Piedras, para que o processo fosse transparente e todos vissem que direitos e deveres eram semelhantes.

Quando Xênia mandou-lhe um recado solicitando os endereços de "meus cozinheiros", mandou-os, sem deixar de registrar que a outra se referira aos sérios e renomados mestres e aprendizes de culinárias, como "seus", será que teria vontade de... Baniu a suspeita, pois sempre levava em consideração o conselho de sua avó Theonila: "Nunca faça mal juízo do ausente".

Juan de la Piedras aguardava isso ou aquilo, quando Xênia, como quem nada quer a mais, contou-lhe que Eva estava passando à frente de ambas, mandando cópias de todas as instruções, et blá-blá-blá.

Juan era muito cuidadoso no trato com seus auxiliares. No fundo sabia que Eva não passaria por cima de sua hieraquia, mas, ainda assim, de tal forma foi sendo envolvido, que acabou por solicitar-lhe que não mais o ajudasse quando não pedira. Que Xênia estava encarregada de fazer circular os avisos e que tinha o endereço, os contatos, de todos os aprendizes e mestres culinários. Eva entendeu, então, de súbito: se a outra conhecia nomes e endereços, por que os pedira a ela? E se não tinha, nem contara que lhe pedira?

Amargurada, foi ao bosquezinho atrás de seu chalé-escolinha, simples e alegre, enfeitado pelo jardim, pelo pomar, plantas medicinais e horticultura. Chorou, meditou e orou. Sentiu uma espécie de estupor e um suor frio correu-lhe pelo corpo. Espirais girandolavam antes seus olhos e as pálpebras pesara. Fechou os olhos. Ou não. E viu a avó. Ela então, cheirando a baunilha e menta, aproximou-se da neta e lhe entregou uma romã. Pomme de Granade. Talismãs. Remédio para garganta. Deliciosa, a romã, usada nas simpatias de início de ano. Aberta, parecia um coração pontilhado de rubis translúcidos. -"Saboreie sete", disse-lhe a anciã, depois de passar as mãos em sua testa, com mãos de pergaminho...

-"Lembre-se que a tristeza é um desperdício de energia. Troque-a por uma renovação: a esperança. E a resiliência. Jamais deixe que a inveja alheia afaste a simplidade de seus propósitos. Continue apenas a ser você mesma".

Mais tarde, já em casa e depois de um sono reparador, Eva foi à sua grande cozinha, aonde a esperavam seus pupilos e alguns mestres. -"Então, agora, vamos apenas criar. "Cada um de nós deverá fazer o que o coração mandar. Escolham no seu receituário o que gostariam de trabalhar hoje.

A risada foi geral, quando todos escreveram, ao mesmo tempo, "bolinhos de chuva", aprendidos com a avó. E cada um, renovou a receita, com ingedientes pessoais, novos, calda de chocolate, glacês variados, ou simplesmente ao natural, os dourados bolinhos que sabiam "se virar sozinhos". Mas, uma coisa esses bolinhos leves tinham em comum: não apenas Eva, mas todos eles, trinaram acompanhando os pássaros da esperança e da solidariedade que cantavam nas árvores, lá fora... E ela, depois de recobrir seus bolinhos de chuva com calda de vinho moscatel, respirou aliviada: sim, a avó tinha razão. Bastava ater-se a seus propósitos e ninguém poderia semear tristezas em seu coração cantante.

O segundo capítulo virá em breve...Aguardem...