Jornal Aldrava Cultural
O Amor Romântico

Luiz Tyller Pirolla

O AMOR ROMÂNTICO

(Palestra do Prof. Dr. Luiz Tyller Pirolla na Academia Marianense de Letras em 16 de junho de 2007, às 19h e 30min.)

Luiz Tyller, Roque Camêllo e J. B. Donadon-Leal

Platéia atenta

Título original em sua tese de pós-doutorado:

Em torno do “Programa Sistemático” ou os bons tempos são idos.¹

De autoria incerta, o “Programa Sistemático”², fragmento(?) de um texto, ora tem sido atribuído a Schelling, ora a Hölderlin, ora a Hegel. Embora essa questão seja irrelevante, parece-me que, dificilmente, o idealista objetivo Hegel assinaria as idéias que são as bases do Romantismo alemão, o que equivale dizer, do Romantismo de um modo geral. O Romantismo nasce na Alemanha em meio a intenso bombardeio, partindo, principalmente, de Hegel, que não poupa nem as idéias nem as pessoas. Frederico Schlegel é um alvo especial pelo seu conceito de ironia e pela demolição do idealismo:
“Foi Frederico Schlegel quem inventou esta ironia, e muitos, depois dele tagarelaram sobre tal assunto e hoje voltam a tagarelar.”³
A má compreensão da teoria romântica explica-se em Hegel, afinal a fase histórica que vai, para ele, do fim do período Clássico antigo aos seus dias, chama-se Forma de Arte Romântica, quando o artista ultrapassa o ideal4. Existe um descompasso entre Forma e Idéia (conteúdo), que leva à morte da poesia, a forma artística mais completa, segundo Hegel5.
A poesia ou arte do discurso, constitui portanto o termo médio, que reúne os dois extremos de uma nova totalidade, formados pelas artes plásticas e pela música, para realizar a síntese superior, que é o da interioridade espiritual. Com efeito, a poesia, tal como a música baseia-se no princípio da percepção imediata da alma por si mesma e em si mesma, princípio de que carecem a arquitectura, a escultura e a pintura, e, por outro lado, amplificar-se até formar com as representações, as intuições e os sentimentos interiores, um mundo objectivo, que mantém quase toda a precisão da escultura e da pintura, e é, além disso, capaz de representar de forma mais completa que qualquer outra arte a totalidade de um acontecimento, o desenvolvimento da alma, de paixões, de representações ou a evolução das fases de uma acção.
No intimismo romântico consubstancia-se a poesia do eu, tendo como caminho a fragmentação na prosa da vida6. Ao dilaceramento poético alia-se o humano. Para Hegel a explicação é a impossibilidade de respostas que o homem tem ao voltar-se para dentro de si, dando-se conta de que existem interesses objetivos exteriores. A par disso junta-se a sua completa inabilidade para lidar com os dados existenciais. Isso pela sua condição de artista, de sua “genialidade divina”( e aqui, uma velada crítica ao gênio criador kantiano7)que o faz viver uma “vida de artista”, com toda a conotação pejorativa que o termo carrega8. Sem dúvida! Como sempre a infernal objetividade hegeliana não deixa outra alternativa. Mas, em termos gerais, porque, genericamente, explica-se a atitude romântica; no entanto a especificidade vai explicar a arte romântica, que é o que interessa mais, se nos prendermos à pertinência estética.
O mal do século, o sistema de vida insatisfatório não podem estar desligados dos problemas do próprio período histórico e suas idéias dominantes. O desprezo pela matéria e a supremacia do espírito; desconhecimento das mais elementares regras de assepsia e falta de higiene; a confusão do Espírito na Natureza e sua encarnação nas Nações; o popular sobre o erudito; a busca das raízes e das tradições; o rompimento com a Estética antiga a ponto de se chamar a revolução romântica de poética da dissolução dos gêneros literários9, sem que esse rótulo empobreça demais o movimento, enfim, essas características, mais uma tantas outras e , acima de tudo o Romantismo social, auxiliam o entendimento da vastidão de propostas do período e, aí , sim, entende-se um pouco melhor a vida de artista que, note-se, não é um triste privilégio romântico.10
Depois dessas considerações, é de dever por em cena algumas idéias do Programa. Sempre se entendeu o Romantismo como um movimento irracional, o sentimento sobre a razão, ou seja, a fantasia criadora que deve seguir a máxima kantiana: a arte é a livre manifestação do espírito11. Mas somente essa redução simplista de uma visão filosófica bastante sofisticada, não diz muito, ou nada:
“(...) Aqui descerei aos domínios da física; a questão é esta: Como tem de ser um mundo para um ser moral? À nossa física vagarosa, que avança laboriosamente com experimentos, eu haveria de dar asas outra vez.
Assim, se a filosofia fornece as Idéias e a experiência, os dados, podemos afinal adquirir a física em grande escala que eu espero de épocas futuras. Não parece que a física de agora possa satisfazer um espírito criador, como o nosso é ou deve ser.”12
Tais são as palavras do texto. É tão clara a necessidade de estudo dos conceitos emitidos sob a luz da evolução histórica, que a dúvida é se o estudo do movimento romântico até aqui , tenha tido uma leitura atenta. A ciência da época não consegue atender aos anseios dos espíritos criadores e, sejamos francos, dificilmente conseguirá, algum dia. Isso porque dentro dessa questão reside outra: a ruptura epistemológica que a “Crítica do Juízo” sistematiza e o Romantismo põe em prática. A arte não é mais imitação do real ou de modelos, o Belo não é mais uma forma de conhecimento, nem tem obrigação de se atrelar a nada e a ninguém. Em suma, o platonismo cede lugar à finalidade sem fim. A forma final sem finalidade é o livro escrito, o quadro pintado, a peça encenada, a música executada etc., atendendo à livre manifestação do espírito humano. Tais idéias convivem ao mesmo tempo com aquelas da teoria dos dois mundos, de Platão: assim, rasteiramente, a matéria é inferior ao espírito, o qual já habitou o Mundo Ideal, aqui está, preso ao corpo13. E esta não é a maior contradição. O que dizer das idéias de Kant, o expoente do Iluminismo, postas em prática pela poética romântica. A questão é que, depois de Hegel, não se pode mais dizer de questiúnculas, que se contradizem neste ou naquele filósofo, da aceitação desse e não daquele ponto da filosofia de Platão ou Aristóteles. A própria história da filosofia ocidental está montada em cima das contradições. Acrescente-se, aqui, a história das artes, que está muito bem. Como exigir coerência lógica, das ciências exatas, para a literatura, por exemplo? Octávio Paz, em um feliz momento, recuperando as lições da estética antiga14, afirma a lógica particular da literatura que nada tem de parentesco com a lógica das ciências exatas.15
Da natureza passo à obra humana. Com a Idéia de humanidade à frente, quero mostrar que não há nenhuma Idéia do Estado, porque o Estado é algo mecânico, assim como não há Idéia de uma máquina. Somente o que é objeto da liberdade, se chama Idéia. Temos, pois, que ultrapassar o estado! – Pois todo Estado tem de tratar homens livres como engrenagens mecânicas; e isso ele não deve fazer: portanto, deve cessar. Vocês vêem por vocês mesmos que aqui todas as Idéias de paz perpétua etc. são apenas Idéias subordinadas a uma Idéia superior. Ao mesmo tempo, quero aqui assentar os princípios para uma história da humanidade e desnudar até à pele toda a miserável obra humana de Estado, constituição, legislação.(...)16
O interesse de certos autores românticos pelos temas sociais, como se nota não foi algo desordenado. Foi sobretudo notado. Em que pese a crítica ao indivíduo como causador de mudanças, ao texto Napoléon, le Petit, de Victor Hugo17, Marx, no prefácio para a segunda edição d’O 18 Brumário de Luis Bonaparte18 , estudo interpretativo do golpe de Estado de Luiz Bonaparte, cujos sucessos se iniciam em 24 de fevereiro de 1848, queda de Luís Felipe e instalação da Assembléia Nacional Constituinte, ironicamente alcunha este (primeiro) período (24 de fevereiro a 04 de maio) de: “Prólogo. Comédia de confraternização geral”19, e culminam no período que vai de 9 de outubro a 2 de dezembro de 1851, com o que Marx chama de “Paródia de restauração do império.”20 pois, bem, a simples lembrança do livro de Victor Hugo marca a presença histórica romântica no importante acontecimento político. E diga-se a bem da verdade, V. Hugo foi coerente: o herói é uma característica romântica das mais presentes em todo o movimento. Ao contrário da interpretação marxista, o herói, no caso, Napoleão, o Pequeno, não é apenas a bela figura de estilo, que entra no cenário histórico como “um raio caído em céu azul”21, personagem que engrandeceria, ao invés de diminuir o indigitado sobrinho do primeiro Napoleão, a técnica romântica é o engrandecimento, mas o engrandecimento antitético, isto é, realçam-se as características negativas da encarnação do mal.
Outra bandeira do liberalismo na poesia romântica foi Castro Alves, engajado na campanha abolicionista e republicana. Questiona-se com certa desenvoltura o racismo subjacente do poeta em seus poemas sobre a escravatura22. Está bem, que seja Castro Alves racista. Pois bem, o que fizeram os demais, não racistas? Talvez a frase ficasse mais elegante no presente e não no passado.
O fato de se considerar o estilo de Victor Hugo e o de Castro Alves como franco-atirador, não os diminui, antes engrandece pela coerência de certa ingênua humanidade que só o desvario romântico pode conceber. Não é o mundo dos loucos e das crianças que é melhor?
Por último, a Idéia que unifica tudo, a Idéia da beleza, tomada a palavra em seu sentido superior, platônico. Pois estou convicto de que o ato supremo da Razão, aquele em que ela engloba todas as Idéias, é um ato estético, e de que verdade e bondade só estão irmanadas na beleza.23
Neste ponto, sim, o texto encerra idéias hegelianas. Na sua Estética24, Hegel lembra da contribuição platônica acerca da reflexão filosófica – que deve ser - genérica dos objetos. Naturalmente pressupondo a preexistência da Idéia do Mundo Real, una e indivisível, mas com a ressalva da ausência de conteúdo da idéia platônica:
Como se sabe, foi Platão quem mais insistiu sobre a exigência de a reflexão filosófica considerar os objetos, não nas suas particularidades, mas na generalidade, no seu ser-em-si-e-para-si; e acrescentava que a verdade não reside nas boas acções ou opiniões individuais, nos homens belos ou nas belas obras de arte, mas no bem, no belo, na verdade como tais.25
Na verdade, a idéia do texto encaminha-se a um ponto central. Reclama da falta de senso estético do filósofo e dos homens das ciências. Isso para reivindicar à poesia seu verdadeiro papel, o papel que desempenhava quando a humanidade engatinhava, o que eqüivale dizer: o papel religioso.26
O filósofo tem de possuir tanta força estética quanto o poeta. Os homens sem senso estético são nossos filósofos da letra. não se pode ter espírito em nada, mesmo sobre a história não se pode raciocinar com espírito – sem senso estético. Aqui deve ficar patente o que propriamente falta aos homens que entendem Idéias – e com bastante sinceridade confessam que para eles tudo é obscuro, tão logo vá além de tabelas e registros.
A poesia adquire com isso uma dignidade superior, torna-se outra vez no fim o que era no começo – mestra da humanidade; pois não há mais filosofia, não há mais história, a arte poética sobreviverá a todas as outras ciências e artes.27
Bem, foi exatamente o que fizeram os autores românticos, quando puseram em prática a dissolução dos gêneros literários fixos, oriundos da velha lição aristotélica28. Por exemplo, José de Alencar escreve, em forma de romance O Guarani29, um poema épico, Iracema30, um longo poema lírico e Ubirajara31, um tratado antropológico, além disso, todos eles possuem notas de rodapé com elucidações históricas e identificação de fontes, como é praxe nos textos científicos. Claro que fatos e tendências artísticas não acontecem isoladamente, os românticos estavam interessados na identificação das raízes nacionais, daí o estudo sistemático da história, da língua, iniciando-se os primeiros estudos lingüísticos, assim considerados, as manifestações da cultura popular que inspiram as obras eruditas e a necessidade, portanto, premente, de se firmar uma arte poética que englobe os outros ramos do saber, em suma, “no fim o que era no começo”32.
Ironia, novamente contradição, para abrir lugar para a poesia e abolir a filosofia, escreve-se um belíssimo texto filosófico...
Creio serem suficientes os breves trechos do breve texto em questão. Apenas acrescentando o ardente desejo manifestado, de liberdade, pelos delirantes jovens que acreditavam que o mundo poderia ser melhor:
Nenhuma força mais será reprimida. Então reinará universal liberdade e igualdade dos espíritos! Será preciso que um espírito superior, enviado dos céus, funde entre nós essa nova religião; ela será a última obra, a obra máxima da humanidade.33
Parece que essa imensa tarefa está, ainda, escrita nas estrelas, quem sabe já formando uma constelação, tal como ocorreu com o filho de Alcmena, depois de ter sua parte material consumida pelo fogo e ascendido em essência, isto é, em espírito, às alturas. Sem dúvida, trabalho à altura do mais forte dos mortais, e para maior dificuldade a este possível feito do filho de Zeus, acrescente-se a sombra persecutória da vingativa Hera, encarnando o rigor do pragmatismo cotidiano. Quem sabe a resposta para isso tudo esteja na sabedoria do corvo “nunca mais”, de Edgard Allan Poe. Talvez a ave que só dizia essas palavras, esteja todos estes anos insistindo em dizer que a bem amada do poeta romântico, aquela a quem os anjos chamam Lenore, foi-se para nunca mais, assim como sua geração e suas idéias, nunca mais. Que oráculo redivivo do mundo antigo poderá dizer se essas idéias, ardentemente almejadas, sobreviverão em essência?,

Notas:
1. “Os bons tempos da arte grega e a idade de ouro da última Idade-Média são idos. As condições gerais do tempo presente não são favoráveis à arte”.Hegel, A Idéia e o Ideal, in Estética. Trad. Orlando Vitorino. Lisboa, Guimarães Ed. 1972, p. 44. Em seguida o autor discorre sobre o artista que recebe as diversas influências das teorias da arte, e sua impossibilidade de abstrair-se do mundo, a não ser que fizesse tabula rasa, se isolasse e reiniciasse sua educação em algum lugar da perdida utopia do paraíso perdido. Portanto, para o incansável operário da demolição romântica, “em todos os aspectos referentes ao seu supremo destino, a arte é para nós coisa do passado”.
2. SCHELLING, F. W. J. von.- in Os Pensadores. Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho. Ed. Abril, 1984.
3. HEGEL. – A Idéia e o Ideal, op. cit. p. 132. Das páginas 128 a 138 no subtítulo “Ironia e Romantismo”, Hegel discorre sobre as implicações da verdade e moralidade na conceituação da ironia romântica, que resultaria na insatisfação do viver, na morbidez da “ bela alma a morrer de tédio” . Parece que Hegel e seu estilo de dizer não dizendo, ou dizer as coisas pelo que elas não são, usa uma acepção mordaz da ironia ao se referir a Schlegel e seguidores como “apóstolos da ironia”, uma vez que não reconhecia neles uma sólida formação filosófica: Mas graças ao talento crítico [A.W. Schlegel e F. Schlegel], alcançaram aproximar-se do ponto de vista da idéia, e assim puderam, embora com uma débil bagagem filosófica, lançar-se audaciosamente numa brilhante polêmica contra os modos de ver dominantes, introduzindo, em vários ramos da arte, um novo critério de juízo e pontos de vista mais elevados do que aqueles que combatiam. No entanto, faltava à sua crítica o apoio do conhecimento filosófico profundo, e por isso os critérios deles se revelaram um tanto vagos e hesitantes e umas vezes por defeito outras por excesso pecaram em seus juízos. (Idem, p. 128/9) A par disso, a vida de artista, o dar à própria vida uma “forma” artística, consubstanciada na “genialidade divina”, o artista terá relações sociais básicas como amigos e amantes, todavia a ironia divina concentra-se e volta-se para o “eu” e na única possibilidade, para si, do alcance da felicidade que resulta da “fruição de si próprio”. Tem-se, então, um caráter que sempre desprezará as relações do senso comum e “considerará tudo do alto de sua ironia”.
4. “A arte simbólica ainda procura o ideal, a arte clássica atingiu-o e a romântica ultrapassou-o”., Hegel, “A idéia e o ideal”, op. cit. p.161, e veja-se igualmente “A Arte Clássica e a Arte Romântica”, idem, p.31 a 33, onde Hegel explicita que a arte clássica , assim considerada, é toda aquela obra de arte perfeita, independentemente de ser o seu caráter simbólico ou romântico. E como obra de arte perfeita, a forma de arte clássica, ao contrário da forma de arte simbólica, que é a primeira, é, então, a última fase, i.é., a arte clássica é “o fecho da arte”.
5. HEGEL. – “Poesia”, in Estética. Trad. Álvaro Ribeiro. Lisboa, Guimarães Ed., 1980, pp. 10/11. Vol. VII.
Ainda acerca da superioridade da poesia, consulte-se “ Arquitetura e Escultura” op. cit. p. 34. e “ A idéia e o ideal”, op. cit. p. 172.
6. Sobre as implicações da poesia do eu e da realidade prosaica e, ainda, da passagem da poesia do eu para a prosa da vida, marcada por Cervantes ( Don Quijote de la Mancha, Barcelona, Ediciones Orbis, S.A/Editorial Origen, S.A,.1983. Tomos I e II) , veja-se Hegel, “ A Arte Clássica e a Arte Romântica”, op. cit. pp. 298/9 e 308; “Poesia”. Trad. Álvaro Ribeiro, op. cit. 1980, p. 233.
7. KANT, I- Analytic of the Sublime, in The Critique of Judgement, Translated by James Creed Meredith, Oxford, Oxford University Press, 1988, p.162 a 204.
8. “A idéia e o ideal”, op. cit. p. 130 a 136.
9. Como seria de se esperar, Hegel, naturalmente, aborda o assunto de maneira bem ácida, ao discorrer sobre o gênio e a criação literária:
A produção artística aparece, deste modo, como um estado que recebe o nome de inspiração. O gênio poderia alcançar este estado quer por vontade própria, quer por qualquer influência estranha (a propósito da qual não se deixou de lembrar os bons serviços que poderá prestar uma garrafa de champanhe). Prevaleceu esta opinião durante o período chamado da genialidade, iniciado na Alemanha pelas primeiras obras de Goethe e de Schiller. Começou a actividade destes poetas por derrubar todas as regras então dominantes. Com total intencionalidade, adoptaram, nas suas primeiras obras, uma atitude hostil a todas essas regras.(Estética: A Idéia e o Ideal, op. cit. p. 76.)
10. Dentre inúmeros exemplos, aleatoriamente, Mario de Sá Carneiro e seu trágico destino, representa fielmente o artista que se enreda em sua própria vida , incapaz de suportar e exercer o ofício de viver, busca no suicídio o que , provavelmente, entenda ser a superação da dor existencial. Veja-se Poesias II Obras Completas de Mário de Sá-Carneiro,Lisboa, Edições, Ática, s/d., e, especialmente, Cartas a Fernando Pessoa III, idem, vols I e II. Sobre este assunto, ainda, veja-se o ensaio seguinte O Signo Partido ou ninguém doma um coração de poeta.
11. KANT,I. The Critique of Judgement, op. cit. Hegel, Poesia, op. cit. pp. 57/8, ao conceituar a arte poética, em oposição à arte oratória, afirma a sua utilidade subjetiva :

A obra de arte poética só persegue um fim: criar a beleza e desfrutá-la; ela atinge-o com o auxílio de uma obra independente, perfeita em si, e a actividade artística, longe de ser um meio subordinado a um resultado exterior, é um fim que, mesmo na sua exteriorização, na sua realização, permanece o que era antes.

Ou seja, ao mundo pragmático é difícil a compreensão de algo que busca a inutilidade objetiva.
12. SCHELLING, F. Von. – Op. Cit., p. 42.
13. Consulte-se: Platão. – A República. Trad. Leonel Vallandro.R.J., Ed. de Ouro, s/d.; Fédon, in Diálogos. 3ª ed.. Trad. Jaime Bruna. S.P., Cultrix, 19 (confirmar);Timeu, in Diálogos,Trad. Carlos Alberto Nunes. Belém,Ed. Universitária, Universidade Federal do Pará, 1986; O Banquete, idem; GOLDSCHMIDT, V. – A religião de Platão. Trad. Ieda e Oswaldo Porchat Pereira. S. P., DIFEL, 1963.
14. ARISTÖTELES.- Poética, in Os Pensadores. Trad. Eudoro de Souza. S.P., Abril, 1982, vol.2.
15. PAZ, O. – La Imagem, in El arco y la lira,México, Fondo de Cultura Economica, 1970.
16. SHELLING, F. W. J. von. – Op. cit. p. 42.
17. Hugo, V.-
18. O dezoito Brumário de Luiz Bonaparte, in Os Pensadores. Trad. Leandro Konder. S. P., Abril, 1974.
19. Op. cit. p.398.
20. Idem, p. 399.
21. Idem,p.331.
22. Alves, C.- Poesias Completas, 2.a ed., S.P. , Saraiva, 1960. Não se pode deixar de notar a influência que teve Victor Hugo sobre o nosso condoreiro libertário. Na sua obra poética são inúmeras as referências ao mestre francês, quer em traduções como: Canto do Bug-Jargal e Perseverando; paráfrases como: As Duas Ilhas e Palavras de um Conservador a propósito de um Perturbador e epígrafes em poemas como: Jesuítas, Amemos!, Poeta, A Olímpio, O Século, O Sol e o Povo e A Criança. E, claro, o peso de V.Hugo passa como um cometa fulgurante por sua obra, ofuscando de brilho e beleza os pobres leitores mortais:
(...)
A praça, a praça é do povo!
Como o céu é do Condor!
É antro onde a liberdade
Cria a águia ao seu calor!
Senhor, pois quereis a praça?
Desgraçada a populaça!...
Só tem a rua de seu.
Ninguém vos rouba os castelos,
Tendes palácios tão belos...
Deixai a terra ao Anteu.
(O Povo ao Poder, op. cit. pp.429/0.)
23. SCHELLING, F. W. J. von – Op. cit. p. 42.
24. HEGEL, W. F. – Estética., sete volumes, a saber: A Idéia e o Ideal. Trad. Orlando Vitorino. 2.a ed., Lisboa, Guimarães Editores, 1972; O Belo Artístico ou o Ideal. Trad. Orlando Vitorino. S.P., Abril, 1974; A Arte Simbólica. Trad. Orlando Vitorino. 2.a ed., Lisboa, Guimarães Editores, 1970; A Arte Clássica e a Arte Romântica. Idem, 1972; Arquitectura e Escultura. Trad. Álvaro Ribeiro. Idem, 1962; Pintura e Música, idem, 1974; Poesia, idem, 1980.
25. A Idéia e o Ideal, op. cit. p. 110.
26. Kant, ao abrir seu estudo sobre a doutrina filosófica da religião (A religião dentro dos limites da simples razão. in Os Pensadores. Trad. Tania Maria Bernkopf. S. P., Abril, 1974, p. 367.), escreve palavras de rara acuidade e beleza:
Que o mundo vai de mal a pior é uma queixa tão velha como a história, ou mesmo como a velha arte poética, tão velha quanto a mais velha entre todas as poesias, a religião dos sacerdotes.
27. SCHELLING, F.W J. von. – Op. cit. p. 43.
28. ARISTÓTELES. – Op. cit.
29. ALENCAR. J. – O Guarani, in Obra Completa. R. J., Aguilar, 1958. V. 2.
30. _________ - Iracema/Edição do Centenário. Ed. Crítica de M. Cavalcanti Proença, R. J. , José Olympio, 1965.
31. ________ - Ubirajara, op. cit. V.3.
32. Vide nota 27.

Platéia

Professora Hebe Rôla Santos