Jornal Aldrava Cultural
A Poesia de Edson Bueno de Camargo

 


Edson Bueno de Camargo


Edson Bueno de Camargo – Mauá- SP. Publicou: “De Lembranças & Fórmulas Mágicas” Edições Tigre Azul/ FAC Mauá -2007; ”O Mapa do Abismo e Outros Poemas” Edições Tigre Azul/ FAC Mauá -2006. “Poemas do Século Passado-1982-2000” edição de autor - Mauá - 2002; “Cortinas”, com poesias suas e de Cecília A. Bedeschi - Mauá – 1981. 1º lugar no Prêmio Off-Flip de Literatura – 2006 – categoria Poesia. Menção Honrosa – 24° Concurso Literário Yoshio Takemoto. Menção Honrosa - 17º Concurso Nacional de Poesia "Helena Kolody" 2007.
correio eletrônico: camargoeb@ig.com.br


furacões


resta uma réstia de luz
e as folhas se acumulam no quintal
é voraz a fome do vento
devora papéis velhos e sonhos que estão soltos
no outono de lua azul

o corredor é a desolação da tarde
do mesmo modo que campeia
a noite que está por vir
o ventre inflado
de tristeza morta e apodrecida

os galhos da árvore acenam
são fantasmas vistos pela janela
e o medo do escuro recorda a infância perdida
no beco feito de álcool e naftalina
vergões nas costas: água, vinagre e sal

dividi o pão dos esquecidos e amanheci novo e velho
perdido feito uma criança em meio a tantas guerras
cabelos brancos e falta de senso de direção
os olhos não aprenderam nada
e nada tem para ensinar a mão

ouvi então um coro de anjos tortos
entoavam um blues para New Orleans
quantos furacões a devastar nossos corações

***

pluma

a palavra tem o peso
que a palavra tem
pluma breve
oferece o peso de meu coração a ti

a palavra presa
contém o breviário das horas e dos dias
e a pena que não possuí o pássaro
nem ave que não,
ama

meu fígado, não meu coração, é quem ama
e seu peso não é mais que uma pluma

a pena tem o peso
que a tinta grávida de palavra tem
pássaro breve
breviário de quem ama as horas e os dias,
leve


***

azul

no fim, tudo é uma questão de pele
centímetros quadrados de sensibilidade
em busca da possibilidade de toque ou de dor

depois os pêlos
a dobrar em arrepios ao quase contato
beijar o fogo e sentir seus dentes com a língua
beber teu líquido como mel

esculpir rosas na carne de minhas costas
corações e entrelaçados celtas
tuas unhas
bisturis de queratina escarnada
escorpiões com ferrões de fogo
a correr da nuca aos calcanhares

quando acordar e for embora
não esqueça de trancar a porta
para que a rua não possa entrar neste quarto azul



***

toda a luz

este poema
fragmento de estrela
mergulhando em um buraco-negro
na sua extrema agonia
da gravidade presa na palavra
da língua inflamada em gazes estelares
da gangrena da sintaxe e do léxico
de cálculos de astrônomos imprecisos

que o juntar de letras
lapidadas em pedras
é desalento e desterro
e estas dormentes nos signos obscuros
se perdem entre o significado e significando
poço que percorre os diversos mundos e as dimensões
de tão escuro que absorve toda a luz