Jornal Aldrava Cultural
Participações Especiais - Crônica

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Artur da Távola

Paulo José Cunha

Édson Almeida
 

Mais crônicas

A Poesia

Vânia Moreira Diniz

   O tempo caminhou. Não mais aquele sonho, mas a presença da alegria e do encanto especialmente inspirador. Tudo parecia um conto de fadas quando a menina começou a crescer. E quanto mais crescia a presença da realidade não caminhava no mesmo ritmo. Ela tinha a sensação que vivia momentos intercalados, muito intensos e inexoravelmente irreais. Não sabia precisar onde estava, porque viera para esse mundo e as razões. Mas amava explorar com olhos brilhantes a perseverante natureza, bela e aconchegante como se ali fosse uma casa ofertada por um Deus indefinido.
   Os dias corriam, a passagem era por vezes áspera, porém havia debaixo dos grilhões que machucavam seus pés, uma maciez protetora e amena que a fazia andar mais célere em direção à sua meta.
   Tudo era tão subjetivo que não sabia se vivia, cumpria uma finalidade ou deixava-se arrastar dolentemente. Até que encontrou sua própria alma e pode captar o sentido do que antes não soubera compreender: A poesia. Ela ali estava iluminando seus dias, esquivando o mal, e completando o sentido de uma existência, bem como dos vôos quase literais em busca de realização. A poesia sublimava quaisquer momentos difíceis ou ásperos ou irônicos e cicatrizava as feridas que às vezes teimavam em reabrir.
   A poesia permitia suas buscas, perdoava suas imperfeições e reestruturava o sentido da vida afastando as dúvidas e erguendo-a nas eventuais quedas dolorosas. Só ela conseguia elevá-la na frágil dignidade humana e nos fracassos inconseqüentes.
   Sempre convivera e tivera como companheira a poesia, só que naquele momento tinha a consciência iluminada da fortaleza terna, do vigor que nascera e ia um dia morrer com ela.
   Por causa dela estava ali, com os olhos de frente para o sol, em convivência com a luz das estrelas, sabendo definir a cor do céu e pairar entre nuvens brancas e macias. E por causa dela se aninhava no solo verde de capim macio, admirando como irmãs as flores que lhe comunicavam segredos, as folhas que lhe davam esperanças, os lagos e rios que lavavam seus machucados na água corrente e o mar gigante e esplendoroso captando cada momento e transmitindo o eco de sua voz majestosa num murmúrio sedutor.
   A poesia expressava também sua harmonia no canto dos pássaros que lhe faziam bem e na musicalidade das notas rítmicas que lhe acalmavam. E representava o seu universo total tanto físico como anímico.
   Assim ela cresceu, tornou-se mulher, compartilhou das sensações as mais estranhas e profundas, amadureceu e se envolveu para sempre na poesia que jamais a deixaria cair inerte nem permitiria que ela não atingisse o sonho maior e mais profundo.
   Esse sonho que era compartilhado envolto na inspiração que não a deixaria fenecer, mas ao contrário lhe daria as mãos constantemente e se misturaria aos anseios de seu coração.
   A Poesia, companheira, irmã, reflexo de sua alma e que não a deixaria morrer jamais.

 (MEDO) NO ELEVADOR

Hernany Luiz Tafuri Ferreira Júnior

   Elevadores não são figuras pelas quais eu nutra sentimentos positivos. Realmente, eu não gosto desse veículo que é tido por muitos como um dos mais seguros do mundo. Como tudo o que sobe um dia desce, eu prefiro mesmo me locomover via escada. Vai que o dito cujo não esteja com sua manutenção em dia…e aí? Vou dar trabalho para os bombeiros por que?
   Fazendo uma reflexão um tanto imparcial, podemos notar com que frieza os ocupantes de tão utilizado meio de locomoção tratam-se. Na maioria das vezes nem um cumprimento, nem um bom dia, como vai?, nada!

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100 ANOS DE ARTE NIKKEY NO BRASIL
Na clara manhã brasileira.


Ao sol da manhã
Uma gota de orvalho
Precioso diamante
Matsuo Bashô*(1644-1694)
 *tradução de Kimi Takenaka e Alberto Marsicano

A fala dos imigrantes japoneses e de seus descendentes, os seus extraordinários feitos nas áreas dos negócios, da agricultura, da tecnologia, da cultura e das artes, está sendo justamente enumerados e louvados nestes 100 anos de imigração no Brasil. Diante desta avalanche de concretitude eu prefiro, pelo meu lado, apontar o não-dito, o sugerido, o esboçado. É aqui, nesta manifestação superior da forma, que se apresenta a magnífica contribuição da cultura japonesa ao Ocidente e, no nosso caso, ao Brasil.

Jacob Klintowitz
Crítico de arte e Curador do Museu Brasileiro da Escultura

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BISCOITOS

MARIA LUIZA FALCÃO

   Terça-feira, tarde chuvosa, 17:30 horas, 28/11/2007 – no HSE RJ

   No meio do engarrafamento na Avenida Brasil, RJ, direção Caxias, libertei o pensamento, e o olhar passeou pelo entorno. Tudo conhecido, nada novo, a não ser aquela figura humana, encostada à amurada de um dos viadutos de acesso à Ponte Rio-Niterói. De bermuda e camiseta, empunha numa das mãos um guarda-chuvas aberto contra a garoa e na outra carrega dois grandes sacos repletos de algo que não entendi à primeira vista. Mas, afinal, que diabos faz ela ali?
   A cena inusitada trouxe-me de volta o pensamento. Imaginei um carro enguiçado, um acidente, isso, aquilo, até mesmo que ela estivesse tentando atravessar as pistas.
   Quanta ignorância a minha...
   Aquela mulher solitária, na chuva, em meio ao trânsito lento, simplesmente tentava, em investidas arriscadas, vender biscoitos. Era este o conteúdo dos sacos.
   O pensamento voou de novo, mas desta vez, na direção de tantos brasileiros que, como aquela mulher, driblam carros, etc e tal, para trabalhar e levar para casa o dinheiro honesto.
   Lembrei-me de meu pai citando um contemporâneo seu que disse: “chegará o dia em que o brasileiro sentirá vergonha de ser honesto”. Particularmente discordo, e exemplos vivos como esta mulher reforçam o meu pensar. Honestidade nunca sai de moda. O povo não quer “bolsa-esmola”, mas sim, trabalho digno para viver e criar a família. Ao contrário do que muitos pensam, a “lei de Gerson”, aquela de levar vantagem em tudo, não pegou. O povo brasileiro é trabalhador e honesto.
   O resto é exceção.

MARIA LUIZA FALCÃO
Delegada Regional da APPERJ em Belo Horizonte
ASSOCIAÇÃO PROFISSIONAL DE POETAS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Fundada em 11 de abril de 1989
Saite referendado pela UNESCO no Diretório Mundial de Poesia
Reconhecida como de Utilidade Pública Municipal, através da Lei n° 3353 / 2001
www.apperj.com.br
apperj@apperj.com.br

PAUS, PILAS E CONTOS

Urda Alice Klueger

    Só os muito jovens não se lembram: para quem, como eu, já passou dos 40, não dá para esquecer. Na minha vida vivi muitas moedas brasileiras: cruzeiros, cruzeiro novo, de novo cruzeiro, cruzado, cruzado novo, cruzeiro de novo, cruzeiro real e real. Se não esqueci de nenhuma, foi isso aí, essa coleção enorme de nomes de moedas, as quais variavam incrivelmente - lembram-se que chegamos a ter 84% de inflação num só mês, isto é, em fevereiro de 1990? Isso levava a gente a ganhar milhões num mês, e alguns mil no mês seguinte, e por aí afora. Os mais velhos, com certeza, se lembram muito bem.
    O que me impressiona nisso tudo, nessa loucura das variações das moedas brasileiras, é que sempre houve unidades da moeda que nunca mudaram, que cada brasileiro sempre soube usar com toda a segurança, não importava que nome o governo estivesse dando ao nosso inflacionado dinheiro. E que unidades eram essas? Eram o conto, o pau e o pila.
    Quem não sabe o quanto valem dez contos? E dez pilas? Nas loucuras que a inflação trouxe para o nosso país, sempre se entendeu perfeitamente quando alguém disse:
    - Isso aqui custou 400 paus!
    Paus, pilas e contos - unidades invariáveis de todas as nossas moedas, as que sempre deram segurança ao nosso povo na hora de falar em dinheiro. Quanto valem? Ninguém sabe, mas todos calculam através delas com precisão. E de onde vieram tais unidades? Eu sempre acreditara que eram criações do nosso criativo povo brasileiro, até que fui a Portugal.
    Na primeira hora em Lisboa, cambiei 100 dólares - e recebi 12 contos e pouco, em escudos. Quando me falaram que dava 12 contos, já avaliei que tinha a ver com 12.000 escudos. Só perguntei para confirmar. Oriunda de um país de muitas moedas, ouvir falar em contos, lá do outro lado do oceano, fez com que eu me sentisse em casa, que passasse a saber, na hora, quantos paus e pilas podia gastar naquele país tão doce. E, nos dias que se seguiram, ouvi muitas vezes os portugueses falando nessas moedas alternativas com a mesma naturalidade com que nós falamos. Em Lisboa, como no Brasil, se podia comprar coisas em paus, pilas e contos, do mesmo jeito que aqui.
    Daí, ano passado, estive em Moçambique, país africano de língua portuguesa, na costa do Índico. Em Moçambique, a moeda é o metical, inflacionada moeda corroída por vinte anos de guerra. Com um dólar, pode-se comprar 12.000 meticais, e as coisas são baratíssimas. Qual não foi minha surpresa, então, ao chegar lá e ouvir as pessoas falando em pilas, paus e contos com a mesma naturalidade com que falamos aqui! Não sei bem como é que funciona por lá, com uma moeda tão desvalorizada (se me lembro, o Brasil já teve moeda desvalorizada assim), mas quando alguém me dizia que tal coisa custava tantos contos, eu entendia perfeitamente. Pelas ruas de Maputo, a capital de Moçambique, linda cidade que a gente nem imagina existir (antiga Lourenço Marques), comprei capulanas por pilas; castanhas de caju por paus; lindas pulseiras de jade por contos. Às vezes, para exercitar o uso da moeda local, ia a confeitarias comer doces por meticais, mas só como curiosidade de turista - pra que usar meticais, quando se podia, como no Brasil, comprar-se tudo por pilas, paus e contos?
    E eu que tinha pensado que tais unidades monetárias fossem invenções nossas, brasileiras! Primeiro dou de cara com elas em Portugal, que foi, com certeza, que as inventou - mais tarde, encontro-as lá na distante África, tão entendíveis quanto o são aqui no Brasil.
    Ah! A força da língua e da cultura portuguesas! Quão forte foi Portugal, ao sair pelos caminhos dos mares a conquistar o mundo! Onde estiveram os portugueses, a exemplo do que ocorre no Brasil, temos países mais ternos, mais tolerantes, mais doces, muito e muito diferentes, por exemplo, dos países que a Inglaterra colonizou, duros, frios e intolerantes. Sou fã incondicional da cultura portuguesa, essa cultura suave e doce que a nossa pátria ancestral espalhou por quatro continentes. E fiquei mais fã ainda ao descobrir que, no mundo de origem portuguesa, não há necessidade de se saber, sequer, o valor das moedas: basta que saibamos as palavras pila, pau e conto.

Blumenau, 07 de setembro de 1998.
Urda Alice Klueger


Crônica
O irresistível inconsciente e o fenómeno da fé

Por : Eugénio de Sá
Vice-Presidente da Academia Virtual Poética do Brasil


    Enquanto o temperamento o herdamos nos genes e se submete ao que os astros nos ditam no acto de nascer, o carácter, esse, vai-se moldando e caracterizando à medida que vamos adquirindo conhecimentos e recebendo influências. É assim que se gera uma personalidade, rica ou pobre nos princípios, forte ou fraca na vontade, enérgica ou indolente na determinação, romântica nos impulsos do coração, ou analítica e consistente na razão, feita de indomáveis excessos, ou de contidas temperanças.
    Tudo isto nos define com seres racionais mas – quiçá providencialmente - limitados ao uso do consciente, isto é: daquilo que nos é dado conhecer de nós próprios, uma vez que o inconsciente que, identicamente, partilha o nosso cérebro, permanece hermético e inquestionável.
    Quem nos criou soube o que fez com esta máquina de concepção impressionante que somos todos nós. Porque está para além da imaginação humana o que poderia acontecer se tivéssemos acesso ao nosso inconsciente e o que poderíamos fazer com isso, porque não somos só energia pura, mas dotados daquilo a que se convencionou chamar de alma.
    Sem dúvida que constituiu, para nós, um aliciante apelo a visão de uma outra dimensão que está para além de uma interpretação linear com base no que nos dizem os nossos sentidos. É comum, por isso, a tentativa de exploração do denominado sobrenatural, do transcendente, tanto em peças media como noutras formas mais reservadas de abordagem do tema.
    Pode haver outra vida para além da presente ou não faria sentido esta escassa temporalidade da nossa existência. Pode o espírito que nos anima ter habitado outros corpos no passado e, porventura, vir a encarnar outros no futuro. É uma teoria possível, como possíveis são outras, mais ou menos apoiadas pela religião ou por movimentos espiritualistas, todas credoras de respeito e, certamente, passíveis de cuidada reflexão.
    Investigações de fenómenos ditos paranormais, recolha de depoimentos de indivíduos que passaram por experiências de morte aparente e “voltaram à vida”, propõem apoiar, através dessas casuísticas ocorrências, a teorização da vida após a morte.
    Pode o nosso inconsciente - a grande parte submersa (ou invisível) deste iceberg que é o cérebro humano - vir a explicar muitas das dúvidas que nos são propostas pela vontade que nos exige essas explicações, ou irá permanecerá obscuro tudo o que está para além da nossa imediata compreensão?
    De tudo o que foi dito emerge um maravilhoso enigma, que nos consagra definitivamente como entes eleitos deste planeta; a fé que aflora ao nosso coração perante situações incontroláveis, mormente as mais penosas. A fé em algo de divino, que, bastas vezes, se corporiza ou evoca num Santo, na Virgem ou mesmo em Deus, que imaginamos simplistamente feito à nossa imagem e semelhança, ou, na inversa; sem essa presunção. Fé que nos leva a prometer algo que nos é caro ou de difícil concretização, ou mesmo um sacrifício físico ou de outra natureza e que, ao cumprimos essa promessa, por aquilo que consideramos a Graça recebida, nos transmite uma grande paz de espírito, como um dever cumprido.
    Pessoalmente, sou disso vivo testemunho. Ainda agora – e de novo – na presença da imagem da Virgem Imaculada, em Fátima, eu e minha mulher fomos invadidos por grande comoção. Mais; um acontecimento posterior, quase imediato, que ambos vivemos intensamente, faz-nos acreditar que não se trata de qualquer ilusão criada no âmbito de exacerbadas crenças religiosas ou da influência de qualquer irracional e incontrolada histeria, mas verdadeiramente brotada da interiorização de uma acção divina, uma Graça que vem dos Céus, ou de outra dimensão, realmente.
    Não tenho a pretensão de querer explicar o que quer que seja sobre o assunto, mas, tão-somente, trazer a estas linhas a minha funda convicção da presença em nós do divino. Como cristão baptizado, concentro a minha própria fé num ou mais ícones da minha religião; a católica, sem qualquer menosprezo por outros que professam diferentes credos, uma vez que os fundamentos são em tudo similares. É só uma questão de nomenclatura.

Lisboa, 16 de Dezembro de 2007