Lançamento
de: Inverno - uma estação em três turnos

Sociedade
idealizada por Andreia Donadon Leal
Logo
criada por Gabriel Bicalho
Prefácio:
Exercício de polifonia
Diferentemente
dos operários da indústria que, substituindo seus antecessores
de turno, produzem peças absolutamente iguais, sem nenhuma
interferência ou contágio exterior, condição
para seu funcionamento posterior em uma engrenagem, os criadores desta
produção poética puderam executar um exercício
de substituição de turno com isonomia de tarefas, porém
com a apresentação de produtos contaminados de todas
as coerções do tempo, do espaço e das sensações.
Coerente com os cânones aldravistas, de produção
artística fundada no reconhecimento da polifonia, a aldravia
foi concebida como uma forma-envelope, abrigo para a convivência
múltipla de vozes discursivas, cuja exploração
fica à disposição do sujeito leitor. Sem inicial
maiúscula, que a confinaria na cela frasal, sem pontuação
sintática (vírgulas e pontos), que obrigaria o leitor
a ler somente uma exclusiva formulação textual; enfim,
sem amarras indutoras às vontades privadas do poeta, a aldravia
é uma forma poética que se faz como espaço privilegiado
para a emergência da polifonia. Com a real abertura para várias
leituras de um poema que é apenas plataforma, da qual vários
poemas podem se erguer conforme o jogo rítmico, conforme o
jogo de pausas, conforme o jogo entre informação conhecida
(tema) e informação nova (rema), desse poema mínimo
extrai-se o máximo de poesia, realização do conceito
poundiano de poesia.
Numa proposição amplificada dessa plataforma, três
poetas aldravistas se juntam para apreciar três turnos dos dias
de uma estação – inverno – com o intuito
de apresentá-la in natura, para que o leitor tenha a possibilidade
de compreendê-la sem a interpretação impositiva
do poeta mediador. Óbvio que o leitor compreende que se trata
de um esforço, de um empreendimento cerceado pelas limitações
da linguagem que, por si só, já é mediadora,
é representativa e não alcança a natureza em
sua nudez, mas pode alcançar a nudez da apreciação
poética. A grandeza dessa proposição está
no esforço de alcançar essa nudez, de apresentá-la
sem o rigor interpretativo, hermenêutico, que impõe um
ponto de vista fechado para os que a encetam em direção
adversa. Trata-se, portanto, de apreciação aberta a
apreciações.
A manhã, a tarde e a noite abrem-se em luz para luzes e vozes
tantas que poderão ver suas próprias manhãs,
tardes e noites a partir dos turnos descritos nos poemas. Relevante
lembrar que descrição é uma proposição
metonímica jogada sobre uma estrutura narrativa; visada resultante
de sensação percebida num dado instante (porção
do tempo) de uma porção espacial. As descrições
não são desenhos fotográficos de um universo
inteiro, mas desenhos projetivos de porções de universos;
portanto, insinuações apenas desses universos. Esse
plural tem a significação das vozes potenciais dos leitores,
sujeitos dos discursos possíveis a partir da abertura do envelope
poético dessa descrição-potência.
É a partir dessa perspectiva que nós concebemos a ideia
formadora do projeto deste livro em três turnos fixos, em que
um mesmo poeta pudesse explorar sua potência sensorial ao longo
de uma estação, observando um mesmo recorte temporal,
um turno do dia, e o descrevendo em proposição aberta,
sem pontuação; portanto, sem limites, de forma a não
criar cerceamento às vozes dos leitores.
Nossa crença é a de que as aldravias constitutivas desse
livro sejam poemas-potência e não poemas presos a uma
única leitura. Os leitores podem brincar de ler cada aldravia
de diversas formas, pois não há pontuação
que os obrigue a lê-las de um único jeito. Assim, o poema
de abertura, por exemplo, permite, entre outras, leituras diversas
a partir de alternâncias de pausas, a saber: (amanhecer
intrigantemente terno / despertar pleno inverno) ou: (amanhecer
/ intrigantemente terno / despertar pleno / inverno) ou: (amanhecer
intrigantemente / terno despertar / pleno inverno) ou: (amanhecer
/ intrigantemente terno despertar pleno / inverno) ou ainda:
(amanhecer intrigantemente terno despertar pleno / inverno)
e outras formas mais de jogar ênfases diferenciadas no ritmo
da leitura, mudando substancialmente as projeções de
sentido possíveis a partir da leitura pronunciada. Um único
poema torna-se uma multidão de poemas. A polifonia deixa de
ser apenas uma possibilidade do leitor e passa a ser uma proposta
da forma, aberta, que autoriza já na forma a exploração
rítmica, a exploração de universos em disponibilidade
para descobertas.
Nesse espírito aberto, colocamos à disposição
dos leitores uma estação de poesia, numa espécie
de diário poético em três turnos do tempo igualmente
poético, sentido num espaço disposto a mais ou menos
480 quilômetros ao norte do trópico de Capricórnio
e algumas dezenas de quilômetros ao leste do meridiano 44, que
desenha no inverno viagem solar diária ao norte da abóboda
celeste.
Cada aldravia é um projeto de desenho de um turno de tempo
de um dia de inverno em Mariana, Minas Gerais. Cada aldravia é
uma provocação poética, uma plataforma textual
clamando por leituras múltiplas de suas vozes, exercício
de polifonia caprichosamente inscrito na mais bela das artes –
na poesia.
Boas leituras
Por: J. B. Donadon-Leal
21 de junho de 2014 (primeiro dia da
estação)
08:29,
J. B. Donadon-Leal / jbdonadon@hotmail.com escreveu:
amanhecer
intrigantemente
terno
despertar
pleno
inverno
15:32, Gabriel Bicalho / gabicalho@terra.com.br escreveu:
agora
tarde
curtir
inverno
da
alma?
00:40, Andreia Donadon Leal / deiadonadon@yahoo.com.br escreveu:
madrugada
afora
pulso
incessante
do
inverno
22
de setembro de 2014 (último dia da estação)
07:25,
J. B. Donadon-Leal / jbdonadon@hotmail.com escreveu:
fin(d)ado
inverno
amanhece
florido
abraçando
primavera
16:25, Gabriel Bicalho / gabicalho@terra.com.br escreveu:
então
outonado
inverno
primavera
é
verão?
22:50, Andreia Donadon Leal. / deiadonadon@yahoo.com.br escreveu:
lua
minguante
hiberna
luz
para
primavera
Página
criada em 31 de dezembro de 2014
Editor: J. B. Donadon-Leal