Jornal Aldrava Cultural
ISSN 1519-9665
Inverno - uma estação em três turnos
Artes Visuais
Cartas

Lançamento de: Inverno - uma estação em três turnos

Sociedade idealizada por Andreia Donadon Leal
Logo criada por Gabriel Bicalho

 

Prefácio: Exercício de polifonia

Diferentemente dos operários da indústria que, substituindo seus antecessores de turno, produzem peças absolutamente iguais, sem nenhuma interferência ou contágio exterior, condição para seu funcionamento posterior em uma engrenagem, os criadores desta produção poética puderam executar um exercício de substituição de turno com isonomia de tarefas, porém com a apresentação de produtos contaminados de todas as coerções do tempo, do espaço e das sensações.
Coerente com os cânones aldravistas, de produção artística fundada no reconhecimento da polifonia, a aldravia foi concebida como uma forma-envelope, abrigo para a convivência múltipla de vozes discursivas, cuja exploração fica à disposição do sujeito leitor. Sem inicial maiúscula, que a confinaria na cela frasal, sem pontuação sintática (vírgulas e pontos), que obrigaria o leitor a ler somente uma exclusiva formulação textual; enfim, sem amarras indutoras às vontades privadas do poeta, a aldravia é uma forma poética que se faz como espaço privilegiado para a emergência da polifonia. Com a real abertura para várias leituras de um poema que é apenas plataforma, da qual vários poemas podem se erguer conforme o jogo rítmico, conforme o jogo de pausas, conforme o jogo entre informação conhecida (tema) e informação nova (rema), desse poema mínimo extrai-se o máximo de poesia, realização do conceito poundiano de poesia.
Numa proposição amplificada dessa plataforma, três poetas aldravistas se juntam para apreciar três turnos dos dias de uma estação – inverno – com o intuito de apresentá-la in natura, para que o leitor tenha a possibilidade de compreendê-la sem a interpretação impositiva do poeta mediador. Óbvio que o leitor compreende que se trata de um esforço, de um empreendimento cerceado pelas limitações da linguagem que, por si só, já é mediadora, é representativa e não alcança a natureza em sua nudez, mas pode alcançar a nudez da apreciação poética. A grandeza dessa proposição está no esforço de alcançar essa nudez, de apresentá-la sem o rigor interpretativo, hermenêutico, que impõe um ponto de vista fechado para os que a encetam em direção adversa. Trata-se, portanto, de apreciação aberta a apreciações.
A manhã, a tarde e a noite abrem-se em luz para luzes e vozes tantas que poderão ver suas próprias manhãs, tardes e noites a partir dos turnos descritos nos poemas. Relevante lembrar que descrição é uma proposição metonímica jogada sobre uma estrutura narrativa; visada resultante de sensação percebida num dado instante (porção do tempo) de uma porção espacial. As descrições não são desenhos fotográficos de um universo inteiro, mas desenhos projetivos de porções de universos; portanto, insinuações apenas desses universos. Esse plural tem a significação das vozes potenciais dos leitores, sujeitos dos discursos possíveis a partir da abertura do envelope poético dessa descrição-potência.
É a partir dessa perspectiva que nós concebemos a ideia formadora do projeto deste livro em três turnos fixos, em que um mesmo poeta pudesse explorar sua potência sensorial ao longo de uma estação, observando um mesmo recorte temporal, um turno do dia, e o descrevendo em proposição aberta, sem pontuação; portanto, sem limites, de forma a não criar cerceamento às vozes dos leitores.
Nossa crença é a de que as aldravias constitutivas desse livro sejam poemas-potência e não poemas presos a uma única leitura. Os leitores podem brincar de ler cada aldravia de diversas formas, pois não há pontuação que os obrigue a lê-las de um único jeito. Assim, o poema de abertura, por exemplo, permite, entre outras, leituras diversas a partir de alternâncias de pausas, a saber: (amanhecer intrigantemente terno / despertar pleno inverno) ou: (amanhecer / intrigantemente terno / despertar pleno / inverno) ou: (amanhecer intrigantemente / terno despertar / pleno inverno) ou: (amanhecer / intrigantemente terno despertar pleno / inverno) ou ainda: (amanhecer intrigantemente terno despertar pleno / inverno) e outras formas mais de jogar ênfases diferenciadas no ritmo da leitura, mudando substancialmente as projeções de sentido possíveis a partir da leitura pronunciada. Um único poema torna-se uma multidão de poemas. A polifonia deixa de ser apenas uma possibilidade do leitor e passa a ser uma proposta da forma, aberta, que autoriza já na forma a exploração rítmica, a exploração de universos em disponibilidade para descobertas.
Nesse espírito aberto, colocamos à disposição dos leitores uma estação de poesia, numa espécie de diário poético em três turnos do tempo igualmente poético, sentido num espaço disposto a mais ou menos 480 quilômetros ao norte do trópico de Capricórnio e algumas dezenas de quilômetros ao leste do meridiano 44, que desenha no inverno viagem solar diária ao norte da abóboda celeste.
Cada aldravia é um projeto de desenho de um turno de tempo de um dia de inverno em Mariana, Minas Gerais. Cada aldravia é uma provocação poética, uma plataforma textual clamando por leituras múltiplas de suas vozes, exercício de polifonia caprichosamente inscrito na mais bela das artes – na poesia.
Boas leituras

Por: J. B. Donadon-Leal



21 de junho de 2014 (primeiro dia da estação)

08:29, J. B. Donadon-Leal / jbdonadon@hotmail.com escreveu:

amanhecer
intrigantemente
terno
despertar
pleno
inverno


15:32, Gabriel Bicalho / gabicalho@terra.com.br escreveu:

agora
tarde
curtir
inverno
da
alma?


00:40, Andreia Donadon Leal / deiadonadon@yahoo.com.br escreveu:

madrugada
afora
pulso
incessante
do
inverno

22 de setembro de 2014 (último dia da estação)

07:25, J. B. Donadon-Leal / jbdonadon@hotmail.com escreveu:

fin(d)ado
inverno
amanhece
florido
abraçando
primavera


16:25, Gabriel Bicalho / gabicalho@terra.com.br escreveu:

então
outonado
inverno
primavera
é
verão?


22:50, Andreia Donadon Leal. / deiadonadon@yahoo.com.br escreveu:

lua
minguante
hiberna
luz
para
primavera

 

Página criada em 31 de dezembro de 2014
Editor: J. B. Donadon-Leal